"[Pensamento crítico]...é a análise e o teste de proposições de qualquer tipo que nos são oferecidas, de forma a descobrir se elas correspondem à realidade ou não. É um hábito e um poder mental. É uma condição primária para o bem da sociedade que homens e mulheres sejam treinados nele. É a nossa única garantia contra a ilusão, enganação, superstição e incompreensão de nós mesmos e de nossas circunstâncias mundanas. Nossa educação é boa na medida em que ela produz uma bem desenvolvida capacidade crítica... A educação na capacidade crítica é a única educação da qual pode-se verdadeiramente dizer que forma bons cidadãos."
- Proposição: uma proposição é uma sentença que pode ser verdadeira ou falsa. Por exemplo, "os homens são mortais" é uma proposição verdadeira. A validade (ou falsidade) de uma proposição pode variar com o contexto. Por exemplo, "os homens vivem, em média, menos que as mulheres" é uma proposição que pode ser verdadeira ou não, de acordo com o local e época da qual estamos falando.
- Argumento: um argumento é uma seqüência de proposições, que pode ser dividida em suas premissas e sua conclusão. As premissas constituem o ponto de partida, a base a partir da qual se chega à conclusão. Se a conclusão realmente é uma conseqüência lógica das premissas, o argumento é dito válido. Isto equivale a dizer que se as premissas são verdadeiras, a conclusão necessariamente também será verdadeira. Por outro lado, pode acontecer que a conclusão seja falsa, mesmo que as premissas sejam verdadeiras. Neste caso, o argumento é inválido, isto é, não existe uma relação lógica entre as premissas e a conclusão. Por exemplo, se alguém diz: "Tenho um saco com 15 bolas de gude, todas verdes. Se você tirar uma bola qualquer ela será verde.", isto é um argumento válido, já que se todas as bolas no interior do saco são realmente verdes (a premissa), isto garante que qualquer bola retirada será verde (a conclusão). Note que a validade do argumento é independente da veracidade ou não da premissa. A pessoa pode estar mentindo e ter colocado bolas azuis no interior do saco. Imaginemos por outro lado que a pessoa diga "Tenho um saco com 14 bolas verdes e 1 bola azul. Se você tirar uma bola qualquer ela será verde.". Neste caso, o argumento é inválido, porque mesmo que exista uma grande chance da bola retirada ser verde, isso não é garantido.
- "Se existe uma cadeia de argumentos, cada elo da cadeia deve ser válido - não apenas alguns deles."
- "Sempre que possível deve haver uma confirmação independente dos 'fatos'"
- "Crie mais de uma teoria. Pense em todas as formas pelas quais o fato em questão pode ser explicado. Então pense em formas de derrubar sistematicamente cada uma das alternativas. A teoria que sobreviver a esta 'seleção natural' tem maiores chances de ser a correta."
- "Promova uma discussão abrangente sobre as evidências com defensores (bem informados) de todos os pontos de vista"
- "Argumentos oriundos de 'autoridades' têm pouca importância - 'Autoridades' cometeram erros no passado e o farão de novo no futuro. Em outras palavras, não existem autoridades, existem, no máximo, especialistas."
- "Sempre verifique se a teoria pode ser testada. Teorias que não podem ser testadas têm pouco valor."
- "Quantifique sempre que possível. Aquilo que é vago e qualitativo é aberto a muitas explicações."
- "Não se apegue demais à sua própria teoria. Busque razões para rejeitá-la. Se você não fizer isto,outros o farão."
"Uau, isso é incrível! Vamos lá vê-lo!" você diz entusiasmado, já pensando nas manchetes dos jornais.
"Bem... isso não vai ser possível porque ele é invisível."
"Você fala sério?!", mas seu momentâneo desapontamento é logo substítuido por uma excitação ainda maior, afinal você sabe que um dragão invisível é ainda mais incrível que um dragão qualquer."A gente joga tinta nele então. E depois tiramos umas fotos."
"Ahhh? Tinta? Bom... isso também não vai dar, pois este dragão é incorpóreo."
"Incorpóreo?!!"
"Sim, incorpóreo, tipo um fantasma ou um ectoplasma."
"Mas este dragão solta fogo? Pelo menos isso?"
"Sim, soltar fogo ele solta! Se bem que o fogo é invisível também."
"Tá, não tem problema, a gente usa um visor de infravermelho pra ver este fogo invisível."
"Mas o fogo deste dragão é um fogo frio, que está à temperatura ambiente, não vai dar pra sentir..."
"!!"
Você propõe mais uma dúzia de maneiras de detectar o dragão e seu amigo refuta todas elas dizendo que com este dragão não vai funcionar. Você começa a perder a paciência e, além de um pouco preocupado com a sanidade do seu amigo, fica imaginando qual a diferença entre um dragão que não pode ser detectado de nenhuma maneira e dragão nenhum:"Então como você sabe que há realmente um dragão lá?!"
Seu amigo responde a esta pergunta com explicações confusas que misturam capacidade de se comunicar telepaticamente com o dragão, técnicas ancestrais milenares de detecção de dragões (provavelmente orientais), instrumentos exóticos capazes de medir a "energia" de dragões, uso da intuição, revelação em sonhos, etc, e encara o seu ceticismo como má-vontade em crer neste maravilhoso dragão-invisível-incorpóreo-que-cospe-fogo-frio.
Esta história é uma adaptação livre de um trecho do livro "O Mundo Assombrado pelos Demônios" de Carl Sagan e ilustra o típico pensamento pseudocientífico. De fato você não precisa ir muito mais longe para, usando a mesma analogia, imaginar pessoas que preveêm o futuro inspirados por dragões indetectáveis, ou que dizem curar usando a energia destes seres. Estas pessoas provavelmente acusarão os cientistas que não querem crer na existência de seus dragões de estreiteza de pensamento ou dirão que eles se negam a encarar as evidências porque temem que elas abalem sua forma ortodoxa de pensar. Muitos torcerão um pouquinho a história e se compararão a Galileo e a Colombo que foram perseguidos por desafiarem o pensamento científico estabelecido: "Riram de Galileo e de Colombo e riem de nós", dirão (ao que Carl Sagan acrescentaria: "riram do Bozo também, e daí?").
Claro, alguns cientistas tentam assim mesmo detectar este dragão, afinal descobrir que dragões podem estar escondidos em garagens pelo mundo e que podem ser usados para curar e prever o futuro é uma descoberta extraordinária demais para ser ignorada. Mas mais importante do que isso: não é só porque a ciência não é capaz de detectar o dragão que ele não existe. Germes, partículas atômicas e subatômicas, quasares, variações no espaço-tempo - pode-se citar inúmeros exemplos de fenômenos que num determinado momento da história não foram ou não poderiam ser detectados pelas técnicas e instrumentos disponíveis mas que não deixaram de existir por isso. Investigar portanto é preciso.
Mas este dragão tem um problema de timidez. Ele só aparece para algumas pessoas "escolhidas" e nunca diante de câmeras. Todas as evidências de sua existência ou são contestáveis ou não vêm de fontes confiáveis ou podem ser explicadas por fatos já bem conhecidos pela ciência; mágicos conseguem reproduzir tudo o que as pessoas dizem fazer usando a energia dos dragões. Por fim as previsões feitas por pessoas "guiadas" pelos dragões são menos acertadas na média do que as previsões feitas por profissionais e o número de curas feitas pela tal energia do dragão é equivalente ao das curas espontâneas ou por placebo.
A conclusão é que por mais que a ciência investigue o fenômeno não há evidências, ordinárias nem extraordinárias, obtidas através de um rigoroso método científico que suportem a existência do Dragão Invisível. Por isso, para a ciência pelo menos, ele é finalmente esquecido.
Não pense que dragões indetectáveis são exclusividade dos pseudocientistas. A ciência já teve que lidar com seus "dragões". Até o final do século XIX os físicos acreditavam na existência de uma substância chamada éter que preencheria o vácuo e que seria o meio no qual se propagariam a luz e as ondas gravitacionais, muito embora ninguém ainda o tivesse detectado. Este éter deveria ser de tal natureza que não interferisse no movimento da Terra através dele e que permanecesse inalterado e imóvel ao ser atravessado pela luz. Isso o tornava por definição extremamente dificil de ser detectado. Em 1881 Michelson e Morley idealizaram uma cuidadosa, e hoje famosa, experiência para tentar "capturar" o éter, porém nada foi observado. Alguns imaginaram falhas na experiência, mas outros começaram a desconfiar que não haveria éter nenhum para ser detectado. O éter continuou a ser perseguido utilizando-se técnicas mais avançadas e instrumentos mais precisos, sempre com os mesmos resultados, até o ano de 1960, quando foi definitivamente descartado.